Ilustração: Shaun Tan
O concreto pintado de verde na frente da casa, que à primeira vista parecia um jeito inovador de economizar com jardinagem, agora era simplesmente desolador. A água quente chegava relutante à pia da cozinha, como se tivesse atravessado quilômetros, e mesmo assim sem muita convicção, às vezes com um tom amarronzado. A maioria das janelas não abria direito quando era preciso espantar as moscas. Outras não fechavam direito e aí as moscas entravam. As árvores recém-plantadas morreram no solo arenoso do quintal, onde batia muito sol, e lá ficaram como lápides sob os varais frouxos, um pequeno cemitério da frustração. Parecia impossível achar o tipo certo de comida, ou aprender a dizer coisas mais simples do jeito correto. As crianças falavam muito pouco, a não ser para reclamar.
“País nenhum é pior que esse”, anunciava a mãe, em voz alta e repetidas vezes, e ninguém sentia vontade de contrariar.
Depois de paga a prestação da casa, não sobrava dinheiro para os consertos. “Vocês têm de ajudar mais a sua mãe, crianças”, o pai sempre falava, e isso incluía achar a árvore de Natal mais barata possível e guardá-la temporariamente no sotão. Finalmente tendo algo de bom para esperar, as crianças passaram o mês seguinte criando a decoração por conta própria, recortando folhas e papel laminado em formatos variados, presos com barbante sobre o chão da sala de estar. Aquilo ajudava a esquecer o calor sufocante e os problemas do colégio.
Mas quando foram descer a árvore, descobriram que ela tinha ficado presa nas vigas do telhado — fizera tanto calor lá em cima que o plástico derreteu. “País nenhum é que nem este!”, resmungou a mãe. Mas ainda havia árvore para aproveitar, então as crianças começaram a raspá-la do teto com facas de cozinha. Foi quando o mais novo pisou na parte frágil do sótão e o pé dele atravessou o assoalho. Que desastre! Todo mundo ficou gritando e agitando os braços; desceram a escada correndo para examinar o prejuízo no andar de baixo — um buraco que sem dúvida custaria uma fortuna para consertar. Mas não acharam nada. Confusos, passaram de quarto em quarto. Em todos o teto estava perfeito, sem buraco algum.
Foram conferir de novo por onde o pé havia passado — não teria sido na área de serviço ou na cozinha? Foi então que, de repente, veio um cheiro de grama, de pedras úmidas e de seiva, soprando como uma brisa do sotão. Todos foram examinar o buraco de perto… Ele se abria para um aposento totalmente diferente, que eles não conheciam — um aposento incrível, enfiado entre os outros. Além disso, parecia dar para fora de casa.
Foi assim que a família descobriu o local que viriam a chamar de “pátio de dentro”. Na verdade, estava mais para um jardim de palácio, com árvores altas mais velhas que qualquer uma que já tinham visto. Havia paredes antigas decoradas com afrescos; quanto mais olhavam para elas, mais a família reconhecia aspectos de suas próprias vidas nessas estranhas alegorias desbotadas.
As estações do patio de dentro eram invertidas: era inverno no verão; depois eles viriam a aproveitar o sol veranil no período mais frio e úmido do ano. Era como estar de volta ao país natal, mas também a outro lugar, um lugar totalmente diferente… E ficavam ponderando sobre isso enquanto flores incomuns pairavam pelo ar em noites tranquilas.
Virou o santuário deles. Visitavam-no pelo menos duas vezes por semana para piqueniques, carregando tudo que precisavam até o sotão e depois descendo por uma escada que deixaram por lá permanentemente. Não viam necessidade de questionar a lógica daquilo, simplesmente aceitavam aquela presença, agradecidos.
Decidiu-se que o pátio de dentro seria um segredo de família, embora ninguém tivesse expressado isso em palavras — só parecia ser a coisa certa a fazer. Sentiam, também, que não era possível contar aos outros sobre aquilo.
Um dia, porém, a mãe ficou atônita com o que uma senhora grega falou. Elas estavam conversando por cima da cerca do quintal enquanto estendiam roupas, e a vizinha comentou: “A gente costuma fazer churrasco no pátio de dentro, depois que conseguimos passar a churrasqueira, sabe, pelo telhado?”, e riu alto.
De início a mãe achou que tinha entendido mal, mas ao descrever o pátio de dentro da sua própria casa, a senhora grega sorriu e acenou com a cabeça. “Sim, sim, toda casa tem um pátio de dentro, se você encontrar. É muito estranho, sabe, pois não existe em outros lugares. País nenhum”.
Shaun Tan | “Contos de Lugares Distantes”
(Tradução: Érico Assis. Cosac Naify, 2012, pp. 56-63)
Ilustração: Shaun Tan