Digo que fomos os que melhor encaramos nossa época e nossas terras inquisitivamente, como um médico a diagnosticar uma doença profunda. Nunca houve, todavia, mais vazio (falsidade?) no coração do que no presente — e aqui nos Estados Unidos. A crença genuína parece ter nos abandonado. Não cremos honestamente nos princípios básicos dos Estados (por todo esse brilho frenético e esses gritos melodramáticos), nem mesmo na própria humanidade. Que olho penetrante não vê, em todos os lugares, através da máscara?
O espetáculo é pavoroso. Vivemos em uma atmosfera de hipocrisia por toda parte. Os homens não acreditam nas mulheres, nem as mulheres nos homens. Uma arrogância desdenhosa dita as regras na literatura. O objetivo de todos os literatos é encontrar algo para ridicularizar. Uma variedade de igrejas, seitas, etc — os fantasmas mais sombrios que conheço — usurpam o nome da religião.
A conversação é uma massa de zombaria. Do engano no espírito, o pai de todas as falsas ações, a prole já é incalculável. Uma pessoa perspicaz e sincera no Departamento da Receita em Washington, que é levada, por conta de seu trabalho, a visitar regularmente muitas cidades ao norte, sul e oeste para investigar fraudes, tem falado muito comigo sobre suas descobertas. A depravação das classes empresariais de nosso país não é menor do que se supunha, mas infinitamente maior. Os serviços oficiais americanos — nacionais, estaduais e municipais — em todas as suas filiais e departamentos, com exceção do Judiciário, estão saturados em corrupção, suborno, falsidade, má administração; e o Judiciário [já] está contaminado. As grandes cidades fedem tanto com o roubo e a patifaria respeitável, quanto com a não-respeitável.
Na vida moderna, frivolidade, amores tépidos, infidelidade débil, objetivos mediocres, ou completa falta de objetivos, apenas para matar o tempo. Nos negócios (esses do mundo moderno que a tudo devoram), o único objetivo é o ganho monetário, por qualquer meio [disponível]. Na fábula, a serpente do mago comeu todas as outras serpentes; e o fazer dinheiro é a nossa serpente do mago, permanecendo hoje em dia como o único mestre em toda esfera de ação.
Walt Whitman | Democratic Vistas (1871)
Tradução: Jussara Almeida